28 de Novembro de 2022 Geral

Estadão: A concessão do porto e o túnel Santos-Guarujá

Concessão é muito desafiadora e excelente oportunidade para refletir sobre projetos de infraestrutura e soluções inovadoras

A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) finalizou a análise das minutas do edital e do contrato relativos à futura concessão do Porto de Santos e privatização da Santos Port Authority. Boa parte das críticas voltou-se à previsão da construção do túnel Santos-Guarujá. Há indicações de que a concessão como um todo pode ser revisitada em razão da transição de governo. De todo modo, o caso suscita algumas reflexões mais amplas sobre a viabilização de investimentos privados em estruturas potencialmente deficitárias.

No caso, pretende-se que a futura concessionária do Porto de Santos fique responsável não apenas pela gestão do porto, mas também pela construção e manutenção do túnel submarino que fará a ligação entre as cidades de Santos e Guarujá.

Inicialmente, a ideia era de que o concessionário aportasse recursos numa conta vinculada destinada a cobrir o funding gap esperado do projeto do túnel. A construção e a gestão do túnel seriam objeto de uma concessão em separado.

Depois, essa sistemática foi revista para uma formatação diversa, em que o próprio concessionário do porto executará a construção do túnel e fará a sua operação mediante cobrança de tarifa dos veículos que passarem por ele. Portanto, a concessionária do porto ficará responsável por uma atividade que, tecnicamente, nada tem que ver com a gestão portuária propriamente dita.

Os valores envolvidos chamam a atenção. As minutas encaminhadas ao TCU estimam que o investimento na construção e na operação do túnel será de R$ 4,2 bilhões, e os investimentos totais do projeto (túnel e porto em conjunto) serão de R$ 6,4 bilhões. Ou seja, o túnel, que em tese não seria o ponto central da concessão do porto, consumirá aproximadamente 2/3 do total de investimentos a cargo da futura concessionária.

Também chama a atenção o fato de que o Valor Presente Líquido (VPL) do túnel é negativo em quase R$ 2,3 bilhões. Ou seja, considerado de modo isolado, o túnel, nas condições atualmente previstas de investimento e expectativa de retorno, seria um empreendimento deficitário.

É justamente nesse ponto que se inserem as reflexões sobre a viabilização de investimentos em estruturas potencialmente deficitárias. Quando se depara com esse tipo de situação, a administração pública dispõe de um verdadeiro cardápio de possíveis soluções. Duas delas vêm ganhando destaque.

A primeira é a dos investimentos cruzados. Consiste em fazer com que a concessionária assuma a responsabilidade pela execução de investimentos numa estrutura que, em princípio, é alheia ao objeto da concessão. Há previsão sobre isso na Lei de Relicitações (Lei n.º 13.448/2017) para o setor ferroviário e o TCU já atestou essa possibilidade em alguns casos, ainda que ressaltando certas preocupações.

A segunda é a da licitação por blocos. Consiste em reunir num mesmo bloco empreendimentos mais atrativos e outros menos atrativos ou mesmo deficitários, de modo a viabilizar a concessão de estruturas que não gerariam interesse no mercado. Trata-se da sistemática do “filé com osso”, que foi adotada em recentes concessões de aeroportos e de parques urbanos.

A solução desenvolvida para o caso do túnel Santos-Guarujá guarda relação com essas duas possibilidades. Sob um certo ângulo, aproxima-se de uma licitação em bloco. Afinal, reuniu-se na mesma concessão um projeto que, em tese, geraria menos interesse dos investidores, seja por se tratar de um investimento potencialmente deficitário, seja pela sua elevada complexidade técnica (não há nenhum túnel no Brasil executado com as mesmas técnicas construtivas). Mas também se aproxima da lógica do investimento cruzado, uma vez que se trata de uma estrutura totalmente independente do porto, mas que dependerá dos recursos gerados pelas demais atividades desenvolvidas pela concessionária.

Como toda solução que foge do usual, complexidades adicionais precisam ser enfrentadas.

Primeiro: a avaliação de riscos pelos potenciais interessados acaba se tornando mais complexa, e os riscos de um empreendimento podem contaminar a atratividade do outro (ainda que não a elimine). No caso do Porto de Santos, por exemplo, a área técnica do TCU avaliou que o projeto do túnel ainda não é maduro e que essa falta de maturidade gera incertezas e riscos adicionais, conforme constatado no market sounding da concessão.

Segundo: há uma dificuldade maior de estabelecer requisitos pertinentes e com nível de informação e atratividade adequados. Todo modelo de competição pelo mercado (franchise bidding) depende destes fatores: clareza quanto a riscos, atratividade do negócio e transparência de informações com nível adequado. Quando esses requisitos não estão presentes, o processo de seleção pode ser inviável ou acaba dando ensejo à apresentação de propostas oportunistas e ruinosas.

Terceiro: precisam ser criados mecanismos de incentivo adequados, sob pena de o concessionário priorizar apenas os investimentos que lhe trazem retorno, deixando de lado os deficitários.

Não cabe, aqui, avaliar a correção das decisões tomadas no caso concreto nem da análise da área técnica do TCU. O objetivo, aqui, é refletir mais amplamente sobre o tema. A concessão do Porto de Santos é um projeto extremamente desafiador e uma excelente oportunidade para reflexões sobre a plasticidade dos projetos de infraestrutura e a necessidade de desenvolver soluções inovadoras.

 

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