03 de Maio de 2022 Geral

Folha: Estratégia de 'Covid zero' da China testa autoridade e perspicácia de Xi Jinping

Economistas e executivos questionam impacto econômico de lockdowns agressivos

O líder do regime chinês, Xi Jinping, acenou para uma multidão de estudantes que o aplaudia com entusiasmo. Teve reuniões com autoridades dos Jogos Olímpicos, formuladores de políticas econômicas e líderes europeus. E visitou uma ilha tropical.

Mas a movimentada agenda do político em abril tem uma lacuna reveladora, que expõe a situação que a Covid está criando em um ano politicamente crucial, quando ele espera prolongar seu poder. Xi ficou nos bastidores quando se tratava do maior e mais controverso lockdown na China desde o início da pandemia.

Ao longo de abril, ele não fez discursos públicos focados no surto da doença na China, que levou sua maior cidade a uma quarentena para tentar conter o aumento de infecções, e a capital, Pequim, ao alerta após uma explosão de casos. Também não se dirigiu diretamente aos 25 milhões de moradores de Xangai que receberam ordens para ficar em casa durante semanas e que se queixaram de escassez de alimentos, hospitais sobrecarregados e confusão nas regras do lockdown.

"Ele quer deliberadamente manter certa distância" de Xangai, diz Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do Partido Comunista que vive nos EUA. "Sem dúvida, ele está fazendo muito para combater a pandemia nos bastidores, mas é claro que não quer ser diretamente arrastado para essa confusão."

As ordens de Xi têm sido transmitidas por meio de subordinados ou por relatórios com resumos de reuniões, que citam sua exigência de manter uma política dinâmica de "Covid zero" —essencialmente, garantir, por meio de rigorosos testes em massa e isolamento de contaminados e contatos próximos, que não haja casos em uma população de 1,4 bilhão de habitantes. Na sexta-feira (29), o Politburo do Partido Comunista –um conselho de 25 líderes, que inclui Xi– renovou seu compromisso com esse objetivo, observando os crescentes riscos econômicos da Covid e da Guerra da Ucrânia.

Os surtos em Xangai, Pequim e outras cidades estão testando a perspicácia e a autoridade de Xi antes de um importante congresso do Partido Comunista no final deste ano. Embora seja quase certo que ele ganhe um inédito terceiro mandato como secretário-geral do partido, Xi também quer ter certeza de que em seu novo governo as autoridades o defenderão e farão cumprir sua agenda.

Para garantir esse resultado, Xi quer demonstrar um domínio político sereno e, até recentemente, a estratégia "Covid zero" era uma vitrine marcante: uma promessa efetiva, embora cara, e geralmente popular de que a China evitaria contaminações e mortes em massa.

Depois que as autoridades do Partido Comunista inicialmente minimizaram o vírus, no início de 2020, Xi transformou a China em uma fortaleza epidemiológica, sufocando infecções e protegendo a economia, enquanto os EUA acumularam quase 1 milhão de mortes por Covid.

Mas agora não há maneira fácil de sair dessa fortaleza. A liderança de Xi investiu tanto em mostrar que a China podia lidar com suas próprias necessidades pandêmicas que o governo evitou a adoção de vacinas de mRNA desenvolvidas no exterior, que geralmente são mais eficazes do que os fármacos domésticos chineses. A imunização de idosos no país também ficou para trás.

Sem as defesas necessárias, a China poderá enfrentar um crescimento dos casos que, mesmo com a menor virulência da ômicron, alertam as autoridades, pode sobrecarregar os hospitais. Mas o objetivo de eliminar praticamente todos os casos corre o risco de se tornar uma tarefa dispendiosa e contenciosa sem fim à vista se os surtos de ômicron continuarem levando a medidas que fecham cidades inteiras.

"Essa política foi uma demonstração de que o governo coloca a saúde e o bem-estar da população chinesa em primeiro lugar", diz Patricia Thornton, professora da Universidade de Oxford que estuda política e sociedade chinesas. "[Agora] está ficando mais difícil para Xi Jinping contar essa história."

Os lockdowns e as ordens de vigilância constantes, especialmente em Xangai, provocaram frustração na população, esgotaram autoridades locais e trabalhadores da saúde e minaram o avanço econômico.

Enquanto em quarentenas anteriores da China as queixas eram de moradores quanto às restrições draconianas, desta vez há mais críticos e mais ousados, incluindo economistas e executivos de empresas, argumentando que a "Covid zero" se tornou insustentável diante da nova variante ômicron.

"A Covid não é a única doença a ameaçar a vida da população", escreveu Liang Jianzhang, cofundador do Trip.com Group, grande empresa de viagens chinesa, num artigo no Chinese Enterprise News. "Sacrificar tudo em busca de medidas extremas de 'choque' não é a vitória abrangente que realmente precisamos."

É extremamente improvável que a inesperada turbulência de 2022, incluindo o posicionamento tortuoso da China sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, negue a Xi um terceiro mandato. Ele é o líder chinês mais poderoso em décadas, e a ira em Xangai não dá sinais de se transformar em um desafio ao seu governo. Em outras cidades e vilas continua havendo aceitação, se não entusiasmo, por controles rígidos.

Mas os danos econômicos prolongados e as tensões sociais de longas paralisações podem reduzir o poder de Xi de conquistar o apoio da elite para suas escolhas para a próxima liderança, diz Minxin Pei, professor do Claremont McKenna College, na Califórnia, que estuda a política chinesa.

Xi provavelmente permanecerá no comando, não importa o que aconteça, mas seu poder pode aumentar ou diminuir gradualmente, e as autoridades ao seu redor são importantes. "A diferença em relação à política de 'Covid zero' é que os custos agora são visíveis. Você não pode passar por cima deles."

Mesmo antes da crise de Xangai, Xi parecia preparado para o combate. Autoridades sugeriram recentemente que criticar a política da pandemia equivale a deslealdade a Xi, e chamaram a eliminação de casos de "um dever político que tem precedência sobre tudo".

"Inúmeros fatos nos dizem que só podemos ganhar respeito e iniciativa se mostrarmos o espírito de bravos lutadores derrotando nossos inimigos cara a cara em um caminho estreito, ousando lutar, dominando a luta", disse Xi a funcionários da Escola do Partido no início de março.

Na semana passada, o líder prometeu sustentar o crescimento da China com investimentos em infraestrutura, e na última sexta (29) o Politburo reafirmou que o governo vai estabilizar a economia e extinguir os casos de Covid. "Persistir com a política dinâmica de 'Covid zero', protegendo ao máximo a vida e a saúde das pessoas, enquanto se reduz ao mínimo o impacto da pandemia no desenvolvimento econômico e social", dizia o resumo da agência de notícias Xinhua sobre a reunião do Politburo.

Mas um grupo cada vez mais expressivo de economistas e líderes empresariais chineses argumenta que os danos causados pelas paralisações serão mais difíceis de sanar. A incerteza sobre quando será possível viajar, gastar, comprar imóveis ou investir prejudicou a confiança dos consumidores e das empresas. A solução, para eles, é acelerar o lançamento de vacinas e tratamentos e garantir que idosos e outros grupos vulneráveis sejam imunizados, permitindo maior flexibilidade quando os casos surgirem.

"A política dinâmica que estamos aplicando é cada vez mais cara e cada vez menos eficaz", disse Lu Ting, economista-chefe da China na Nomura Holdings, em discurso no mês passado muito compartilhado nas redes sociais chinesas. Por telefone, afirmou: "Depois que um número cada vez maior de pessoas entender que os custos econômicos são muito altos e insustentáveis, a mudança virá mais facilmente".

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