16 de Fevereiro de 2021 Sem categoria

Pandemia reforça aproximação comercial entre Brasil e Ásia

A pandemia do novo coronavírus fortaleceu o movimento dos últimos 20 anos de aproximação comercial entre Brasil e Ásia (sem considerar os países do Oriente Médio), segundo dados do Ministério da Economia compilados pela Folha.

 

Desde 2001, a participação da Ásia nas transações comerciais (soma da importação e exportação) do Brasil com o mundo vem crescendo. Naquele ano, do montante total, em dólares, do comércio exterior brasileiro, 14% eram relativos ao continente asiático. Essa presença aumentou gradativamente até chegar em 38% em 2019. Com a pandemia, esse percentual pulou para 42% no ano passado.

 

Para especialistas ouvidos pela reportagem, essa dinâmica ocorreu principalmente pelo rápido desenvolvimento econômico da China nas últimas décadas. Mas não apenas por isso. O crescimento de países como Coreia do Sul, Índia e os integrantes da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) também reforçou o movimento.

 

Se analisados os números de 2020 pelos fluxos, enquanto 35% do importado pelo Brasil veio da Ásia, 47% dos nossos produtos vendidos foram para eles.

 

Ao mesmo tempo, à medida que a presença desses países na composição do comércio brasileiro despontou, a participação de outras regiões, como América do Sul, América do Norte e Europa caiu.

 

Maurício Santoro, professor de relações internacionais da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que é preciso considerar que esse recuo é relativo. "O volume de comércio cresceu em geral, mas esse avanço ocorreu de forma muito mais rápida com a Ásia."

 

Dados do Banco Mundial mostram que, em 2000, os países asiáticos tinham 24% da participação do PIB global, enquanto em 2019 o percentual chegou em 32,6%.

 

Essa disparada da Ásia, segundo Santoro, ocorreu principalmente devido a uma grande reforma econômica na China no final dos anos 1970 —que impulsionou uma onda de industrialização na Ásia. Inicialmente, houve investimentos em setores com o uso intensivo de mão de obra (menos sofisticados). Aos poucos, porém, esses países foram se desenvolvendo e ganhando escala na complexidade tecnológica.

 

"Eles passaram a fabricar produtos eletrônicos e automóveis. Hoje em dia você tem muitas montadoras coreanas, chinesas e japonesas presentes no Brasil", afirma. "E como competir com esses países se eles têm mão de obra muito qualificada, excelente infraestrutura, custos mais baixos e carga tributária menor?"

 

​Se, por um lado, a indústria e os produtos asiáticos se tornaram mais relevantes no comércio global, por outro, houve uma busca por essas nações em querer diversificar seus e fornecedores de commodities, principalmente soja, minério de ferro e até mesmo carne.

 

"Muitos desses países, por pressão norte-americana, tinham os EUA como o principal fornecedor desses produtos básicos. Mas por uma questão de segurança alimentar, houve interesse em expandir o menu de importadores, e o Brasil era uma boa opção", afirma Thiago Mattos, analista comercial brasileiro na Coreia do Sul.

 

Mattos cita como exemplo a abertura, em 2018, do mercado coreano à carne de porco de Santa Catarina, após dez anos de negociação. De lá para cá, as exportações brasileiras do produto para o país quadruplicaram.

 

"Mesmo havendo resistência, a qualidade e o baixo custo dos produtos brasileiros acabam entrando nesses mercados. Mas é preciso lembrar que houve também uma maior instabilidade dos americanos nos últimos anos e ainda um aumento da capacidade produtiva no Brasil", diz.

 

Assim como a Coreia do Sul, Japão e China também têm o problema da segurança alimentar, acabam importando muito do Brasil e ainda produzem bens que faltam no mercado brasileiro. Já os países da Asean e a Índia não têm a mesma complementariedade.

 

"Os integrantes da Asean são muito diversos; há países pequenos territorialmente, como Brunei e Singapura, e grandes, como a Indonésia. Dependendo do produto, eles chegam a ser nossos concorrentes, como é o caso da Tailândia com as frutas. Mas a produção agro deles nem sempre é suficiente, o que nos mantém atraentes", diz Mattos.

 

"Já a Índia é forte em setores que nos interessam, como em produtos de computação e em fármacos. Eles também têm espaço para a produção agro, mas podem ser fortes compradores pelo tamanho da população. Nossa relação comercial com eles ainda é subutilizada, e lá está o mercado de consumo dos sonhos."

 

De todas as relações com os asiáticos, a que mais chama a atenção nas duas últimas décadas é, sem dúvida, com a China. O gigante asiático saiu do 9º parceiro comercial do Brasil em 2001 para o 1º em 2009, mantendo-se na posição até hoje.

 

No ano passado, as transações comerciais Brasil-China foram mais do que o dobro do comércio Brasil-EUA, segundo dados do governo brasileiro. No período, os três primeiros produtos mais vendidos para os chineses foram a soja, o minério de ferro e o óleo bruto de petróleo. Enquanto as plataformas de perfuração, partes de celulares e televisão foram os mais adquiridos pelos brasileiros.

 

O fluxo maior vem das compras chinesas. A importação de produtos agro pela China foi de US$ 921 milhões em 2000 para US$ 36 bilhões em 2020, de acordo com dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) e da ONU (Organização das Nações Unidas), compiladas a pedido da Folha pelo Insper Agro Global.

 

"Em 2019, a China foi o primeiro destino das nossas exportações de soja, carne bovina, carne de frango, carne suína, celulose, açúcar e algodão. Por outro lado, o Brasil foi o maior fornecedor desses produtos aos chineses, com exceção da celulose (ficando em 2º lugar) e da carne suína (ficou em 3º)", diz Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global.

 

Ainda segundo os dados do Insper, 78% da soja exportada pelo Brasil em 2019 foi para a China, enquanto 65% da oleaginosa comprada por eles era brasileira.

 

Jank explica que o que intensificou a abertura do mercado chinês para o Brasil nos últimos anos foi a guerra comercial que eles tiveram com os americanos. Até 2016, os Estados Unidos lideravam as vendas de produtos agrícolas para a China. Desde 2017, eles perderam a dianteira para os brasileiros.

 

"O acordo entre eles [fechado em janeiro de 2020] prevê um crescimento nas compras que pode mudar esse cenário, mas até agora esse acerto não deu certo porque as tarifas não caíram rapidamente como previsto, e os americanos não estavam preparados para exportar soja devido a problemas climáticos", afirma.

 

"O governo Joe Biden escolheu a descendente de taiwaneses Katharine Tai para assumir a chefia de representação comercial da Casa Branca, num sinal de tentar recuperar esse espaço perdido com os chineses. Mas o problema é que a disputa com eles é maior do que isso", diz.

 

Se na compra e venda de produtos agrícolas a relação do Brasil e China é de quase uma codependência, no comércio de produtos industrializados, a situação é diferente. As compras brasileiras são bastante diversificadas, como explica Mauro Vieira Sá, coordenador do Getit (Grupo de Pesquisa em Economia Industrial, Internacional e da Tecnologia), da Ufam (Universidade Federal do Amazonas).

 

"A China, pelo seu desenvolvimento, pelo tamanho da sua população e pela produção em escala, consegue diversificar suas atividades e manter os preços competitivos. Hoje 20% das compras feitas pelo Brasil no exterior são de bens chineses, e tem de tudo um pouco", afirma.

 

Embora um quinto das importações brasileiras venha do gigante asiático, essas compras representam apenas 1,42% de tudo que os chineses vendem para o mundo, de acordo com dados da Unctad (agência da ONU para comércio e desenvolvimento), compilados por Sá a pedido da reportagem.

 

"Por mais que um dependa do outro, a China tem mais margem de manobra para vender seus produtos para outros países. E eles já estão se preparando para depender menos dos produtos brasileiros, investindo em determinadas regiões da África, pensando no futuro de seu abastecimento alimentar", diz Sá.

ABTTC News

Preencha seu nome e e-mail abaixo para receber informações sobre a ABTTC.

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Privacidade.