Especialista em infraestrutura, o economista Cláudio Frischtak afirma que o projeto do governo para a construção de uma ferrovia na Amazônia assume uma série de riscos que podem custar bilhões aos cofres públicos.
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Frischtak analisou as premissas apresentadas ao TCU (Tribunal de Contas da União) para a Carta da Infraestrutura, da consultoria Inter.B. O projeto, chamado Ferrogrão, liga o Mato Grosso ao Pará, com o objetivo de escoar a safra de grãos do Centro-Oeste por portos da região Norte.
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Com 933 quilômetros de expansão, a ferrovia vai custar R$ 21,5 bilhões, pelas contas do governo. Desse total, R$ 8,4 bilhões seriam gastos para colocar a linha férrea em operação, o que está previsto para ocorrer em 2030.
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Como contrapartida ao elevado investimento, o governo assume parte dos riscos do projeto. Durante as obras, o Tesouro Nacional cobriria custos adicionais com reassentamentos e desapropriações ou caso o valor das condicionantes ambientais supere o estabelecido em contrato.
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A previsão é que as obras durem sete anos. Depois disso, o governo ajudaria a pagar os custos operacionais e os juros de dívidas em caso de queda na demanda por quebra de safra e, caso ramal da ferrovia Rumo chegue aos produtores antes de 2045, o Tesouro "assume os impactos resultantes".
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Para Frischtak, as concessões ampliam as incertezas de um empreendimento que já enfrenta conflitos sócio-ambientais e apresenta falhas no projeto de engenharia, como a passagem do traçado por uma área alagável às margens do rio Jamanxim.
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Para ele, em um "cenário realista", a necessidade de aporte de dinheiro público pode chegar a R$ 20 bilhões. A conta foi feita com base em informações prestadas pela Vale sobre a construção de uma ferrovia que vai ligar o Mato Grosso à Ferrovia Norte-Sul, também viabilizada pelo transporte de grãos.
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A Vale prevê gastar R$ 8,7 bilhões para construir 383 quilômetros, o que dá R$ 22,72 milhões por quilômetro. Inserindo um acréscimo de 20% para riscos de um projeto na Amazônia, Frischtak diz que a conclusão da Ferrogrão custaria R$ 29 bilhões.
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"Há um grande número de projetos de infraestrutura logística viáveis e que melhoram materialmente as condições de transporte do agronegócio no Centro-Oeste. A Ferrogrão está distante de ser um deles", afirma em sua Carta de Infraestrutura.
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O Ministério da Infraestrutura diz que o projeto já vem sendo estudado há anos e que a ferrovia ainda não tem projeto executivo, que vai detalhar os valores finais. Mas afirma que a Ferrogrão é uma concessão, não uma PPP (Parceria Público-Privada) e, por isso, não há previsão de aportes do governo.
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"Não existe nenhuma previsão legal ou ferramenta contratual para que a União faça qualquer aporte de recursos caso haja um aumento no custo de construção da ferrovia", defende o ministério. Sobre a cobertura de queda de demanda, diz que o instrumento já é usado em concessões de aeroportos.
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Para os riscos assumidos pelo Tesouro, o governo separou R$ 2,2 bilhões recebidos pela renovação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, operada pela Vale. Mas considera, em nota técnica do Ministério da Infraestrutura, a possibilidade de dispor de recursos de outras prorrogações de contratos "e também de novas concessões".
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O projeto enfrenta questionamentos do Ministério Público Federal pela falta de audiências com comunidades indígenas afetadas e sofreu um revés no STF (Supremo Tribunal Federal) com liminar que suspende a lei que alterou limites da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim para a passagem da ferrovia.
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O governo defende que o projeto vai usar a faixa de domínio da BR-163 e, por isso demanda pouca supressão vegetal, mas Frischtak diz que o traçado por meio da floresta gera outros desafios ambientais e logísticos.
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A terraplanagem, diz o economista, demandaria a deposição de 10,9 milhões de metros cúbicos de aterro.
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"Pensa o que é um milhão de viagens [de caminhão], isso só no parque [na Flona]. Onde tem bota-fora? Vai despejar isso no parque?", diz.
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Além disso, o traçado passaria por uma área alagável na margem do rio Jamanxim. Segundo ele, dependendo da cheia, os trilhos podem ficar submersos por até cinco meses.
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O Ministério de Infraestrutura diz que não faz sentido usar terraplanagem como referência de desafio logístico para um trabalho de terraplanagem em área alagada em um projeto de R$ 14 bilhões. "Sem dúvidas podem surgir desafios logísticos durante a construção do projeto executivo, mas isso está dentro do risco de engenharia calculado no momento da concessão", afirma a pasta.
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O governo defende ainda que a solução é mais viável do ponto de vista ambiental do que a logística usada hoje, por caminhões, e economizaria a emissão de 1 milhão de toneladas de gás carbônico por ano.
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"Não iríamos à frente com o projeto se não acreditássemos realmente na viabilidade técnica, econômica e ambiental", disse à Folha na semana passada a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa.
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"Temos um longo histórico de má alocação de recursos, particularmente em obras de infraestrutura física e social", diz a Carta de Infraestrutura de Frischtak. "E não é incomum que os custos sejam magnificados por execução mal planejada e falhas técnicas que levam a enormes desperdícios."